O poder causa danos cerebrais, mostram estudos

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 (FOTO: CORBIS)

Líderes perdem capacidades mentais como a habilidade de entender o ponto de vista dos outros

POR DANIELA FRABASILE

Época Negócios

Se o poder fosse uma droga, viria com uma longa de lista de efeitos colaterais. Este medicamento pode inebriar, corromper ... e causar danos cerebrais. É o que indicam algumas pesquisas recentes. Estudos realizados nas últimas décadas mostram que as pessoas que se mantêm em posições de poder por muito tempo eventualmente perdem algumas capacidades mentais, inclusive algumas daquelas que as ajudaram a subir na carreira, como entender o ponto de vista dos outros.

O professor de psicologia Dacher Keltner, de Berkeley, estudou durante anos os efeitos do poder no cérebro humano — tanto em experimentos de laboratório quanto em campo. Os resultados mostram que pessoas que estão sob a influência do poder agem como se tivessem sofrido um traumatismo craniano: tornam-se mais impulsivas, menos conscientes dos riscos, e menos propensas a ver o ponto de vista das outras pessoas.

O neurocientista da McMaster University, Sukhvinder Obhi, descreveu efeitos similares. Enquanto Keltner estuda o comportamento humano, Obhi se dedica ao cérebro. Sua pesquisa colocou pessoas poderosas e comuns em uma máquina de estimulação magnética transcraniana e descobriu que o poder prejudica um processo neural chamado espelhamento, mecanismo relacionado à empatia. Outros experimentos mostraram que os poderosos têm resultados piores quando precisam descobrir o que uma pessoa em uma foto está sentindo, ou imaginar como um colega interpretaria um comentário sobre seu trabalho.

Esses estudos são base para uma teoria de Keltner: “o paradoxo do poder”. Uma vez que a pessoa adquire o poder, perde algumas das capacidades que foram necessárias para consegui-lo.

A tendência de imitar as expressões e a linguagem corporal dos superiores pode agravar o problema. Afinal, isso faz com que os subordinados deem poucas dicas confiáveis sobre o que estão sentindo aos seus chefes. Porém, o mais importante, segundo Keltner, é o fato de que os poderosos simplesmente param de imitar os demais. Rir quando outra pessoa ri ou ficar tenso quando outra pessoa fica tensa tem funções mais importantes do que simplesmente parecer agradável. Isso ajuda a desencadear a mesma emoção que o outro está sentindo, e dá pistas sobre seu ponto de vista. As pessoas poderosas “param de simular a experiência dos outros”, diz Keltner, o que leva ao que ele chama de “déficit de empatia”.

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O espelhamento é um tipo sutil de imitação, e acontece sem que as pessoas percebam. O mecanismo não funciona apenas com emoções: quando assistimos a alguém realizando alguma atividade, a parte do cérebro que usaríamos para fazer a mesma coisa é ativada. Para medir o espelhamento, Obhi e seu time faziam as pessoas assistirem a vídeos de uma pessoa apertando uma bola de borracha. Para os participantes que não eram especialmente poderosos, o espelhamento funcionou como esperado — as redes neurais que seriam usadas para apertar a bola se acenderam no exame. Mas, com os poderosos, essa resposta era significativamente mais fraca.

Mas será que os poderosos perdem essa habilidade, ou simplesmente param de tentar entender o que os outros sentem, questiona reportagem do The Atlantic. Obhi realizou outro estudo que pode ajudar a responder. Nele, os pesquisadores contavam aos participantes o que é o espelhamento, e pediam que eles fizessem um esforço consciente para aumentar ou diminuir essa resposta. Os resultados foram os mesmos — o que sugere que o esforço não afeta o espelhamento.

O poder, mostram os estudos, faz o nosso cérebro filtrar informações periféricas. Em algumas situações, isso pode ajudar a aumentar a eficiência dos profissionais. E não é necessariamente ruim sempre. A professora de psicologia de Princeton, Susan Fiske, argumenta que os poderosos têm menos necessidade de entender o que os demais estão sentindo, afinal já conseguiram o controle de algum recurso antes escasso. Mas, em organizações modernas, a manutenção do poder depende de algum apoio, e para conseguir esse apoio é necessário criar laços de confiança com as pessoas.



Mas é possível fazer algo para mudar?


Sim e não. É difícil limitar os efeitos do poder no cérebro. Mais fácil, dizem os pesquisadores, pode ser parar de se sentir poderoso de tempos em tempos. O poder, diz Keltner à The Atlantic, não é um cargo, mas um estado mental. Lembrar-se de um tempo ou uma situação em que você não se sentiu no poder pode fazer com que seu cérebro volte à realidade.

Exemplo disso é a CEO e presidente da Pepsico, Indra Nooyi, que conta como foi o dia em que foi nomeada para integrar o conselho da empresa, em 2001. Ela chegou em casa com toda a sensação de vitalidade e poder, até que sua mãe pediu que ela fosse comprar leite — antes mesmo que ela pudesse contar a “grande notícia”. Irritada, saiu e fez a compra. Mais tarde, o conselho de sua mãe foi: “deixe a sua coroa na garagem”. O mais importante da história é que Indra faz questão de contá-la. Serve como um lembrete sobre suas obrigações ordinárias e a ajuda a manter os pés no chão.

Várias figuras históricas tiveram pessoas como a mãe de Indra. Para Winston Churchill, era sua mulher, Clementine, que escreveu: “Querido Winston, preciso confessar que percebi uma deterioração nos seus modos e que você não é mais tão gentil quanto costumava ser”. A carta não era uma reclamação, mas um alerta: algumas pessoas que trabalhavam com ele, conta Clementine, haviam dito que Churchill estava agindo com tanto desdém em relação a seus subordinados que “nenhuma ideia, boa ou ruim, poderia ir para a frente”.

O neurologista britânico David Owen conta essa e outras histórias em seu livro: Na Doença e no Poder, de 2008, em que analisa como o desempenho de políticos americanos e britânicos foi afetado pelo poder desde 1900. Alguns dos personagens sofreram derrames, abusaram de substâncias e tiveram transtorno bipolar, mas pelo menos quatro apresentaram um distúrbio que, segundo Owen defende, deveria ser reconhecido na literatura médica.

A “síndrome da arrogância”, como ele e Jonathan Davidson definiram, “é uma enfermidade que acomete as pessoas poderosas, particularmente quando o poder está associado ao sucesso por muitos anos e com poucos limites ao exercício do poder”. Segundo os autores, os sintomas incluem manifestar desprezo pelos outros, perda de contato com a realidade e ações imprudentes.



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Joni Mengaldo

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Comentários

  • O poder enebria, já dizia meu avô. Fico feliz que alguém esteja preocupado em estudar melhor os efeitos do poder sobre a mente humana.

  • Valeu Cícero, no mínimo nos faz pensar e refletir sobre aquilo que buscamos...

  • Apesar de carecer de dados mais especificos, a idéia geral deste artigo reflete muito a realidade nas organizações grande e pequenas, obrigado por compartilhar João, muito interessante!

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